Já escrevemos antes sobre a complexidade das colónias das abelhas. Já vimos também que há três castas de abelhas: rainha, zângão e obreira. Neste texto vamos focar-nos no último grupo e perceber o papel das abelhas obreiras. Preparem-se, vão querer tirar-lhes o chapéu…
Se as rainhas, com os seus malabarismos químicos, são as únicas que podem pôr ovos, os zângãos estão lá apenas para fecundar as senhoras com coroa. Restam então as abelhas obreiras e o trabalho todo que desempenham na manutenção da colónia. Por exemplo, se nas nossas casas está frio, ligamos o ar condicionado, os aquecedores ou a lareira, certo? Se está calor, abrem-se as janelas, metem-se a funcionar as ventoinhas ou o ar condicionado. As abelhas estão no século XXI mas ainda não gozam dessa tecnologia toda, por isso são elas que controlam as temperaturas dos ninhos. Como? Sendo geniais…
O calor é muito prejudicial e é capaz de colocar em xeque toda a sobrevivência da colónia, sobretudo quando existe criação, que sofre sobretudo quando as temperaturas superam os 36º. A maneira mais simples de arrefecimento é ordenando a dispersão dos adultos pela colónia, conta-nos a Federação Nacional dos Apicultores de Portugal (FNAP) no seu ‘Guia Prático da Biologia da Abelha’. Mas a temperatura pode continuar a subir, por isso, e ainda antes de serem atingidos os tais 36º, começam a realizar a ventilação do ninho: as abelhas obreiras alinham-se para ventilarem na mesma direção. Umas ficam nos favos de criação e outras estacionam à entrada do ninho, provocando assim uma corrente de ar que vai expulsar o ar quente do interior da colmeia. Há coordenação (a comunicação faz-se através de dança, um dia contamos esta história). Se mesmo assim for insuficiente, as nossas amigas obreiras vão recolher água no exterior e depois espalham pequenas gotículas por cima dos alvéolos, juntando-se a tal ventilação que vai provocar a evaporação das mesmas gotículas, baixando a temperatura no interior do ninho. Há ainda uma estratégia SOS se todos estes mecanismos forem curtos para fazer frente à subida da temperatura: uma parte das abelhas abandona a colmeia, formam uma “barba” de abelhas no exterior, junto à entrada, deixando assim espaço para o ar circular.
E no inverno?
Também são as abelhas obreiras que tratam de aquecer a colmeia. E isto é feito sobretudo com calor corporal, através do consumo das reservas de mel. Se o termómetro baixar dos 18º, lá vão elas, criam um cacho, diminuindo a superfície pela qual o calor pode ser perdido. Começa a fazer cada vez mais sentido aquela imagem que temos das abelhas, à volta das colmeias, algo que na nossa ignorância era super ameaçador. Mas não é, certo? Estão só a ser geniais e, cuidando delas, estão a cuidar de nós. O tal cacho vai-se contraindo à medida que a temperatura baixa. Há um limite para essa contração (-5º), a partir daí o cacho não se contrai mais, as abelhas geram sim mais calor. Segundo a FNAP, as abelhas sobrevivem desde que a temperatura no centro do cacho seja mantida acima dos 13º, o que implica uma temperatura de 8º para as abelhas na camada exterior. Se o clima dá uma trégua, o cacho desfaz-se e as abelhas obreiras entram no ninho para se alimentarem.
Bom, mas esta história não fica por aqui, as obreiras fazem muito mais por aquela espécie. “As obreiras, como o próprio nome indica, realizam praticamente todas as tarefas relacionadas com a manutenção da colónia”, pode ainda ler-se no tal guia. “Depois de sair do alvéolo, a obreira inicia uma série de atividades relacionadas com a conservação do ninho, que se vão diversificando e mudando ao longo da sua vida, terminando com as várias atividades no exterior da colmeia, como a procura de alimentos.”
Antes de mais é importante referir que as abelhas obreiras são adeptas de multitask, ou seja, podem executar mais do que uma tarefa em simultâneo. As mesmas tarefas podem durar mais ou menos tempo. De que depende? Das necessidades da colónia, por isso podemos concluir que há um rigor notável no desenvolvimento da tarefa, assim como sensibilidade para se perceber o que falta e onde. Mágico, não é?
É um mundo de tarefas, na verdade.
Quanto à limpeza da colmeia, as abelhas obreiras dividem-se na preparação dos alvéolos e na limpeza geral do ninho. São precisas entre 15 e 30 abelhas obreiras para deixarem um alvéolo limpo, um trabalho que demora qualquer coisa como 40 minutos.
Depois entra a criação. “As obreiras alimentam e cuidam da criação normalmente entre os seis e 16 dias, período que corresponde ao maior desenvolvimento das suas glândulas e hipofaríngeas, as quais produzem uma secreção que constitui a maior parte do alimento fornecido às larvas. Nesta fase são por isso designadas de abelhas-amas.” As mesmas abelhas-ama são as responsáveis pela alimentação da abelha rainha.
As obreiras também são responsáveis pela construção dos favos, que são feitos por abelhas mais velhas do que as abelhas-ama. De acordo com o documento da FNAP, depois de passarem algum tempo no cacho que constrói os favos, as abelhas costumam circular e fazer outras coisas, como inspecionar ou alimentar larvas, limpar o ninho ou até armazenar alimentos, regressando posteriormente ao cacho. É provável que na origem desta alternância das funções das obreiras esteja o facto de assim ganharem tempo para as glândulas de cera produzirem mais cera e para as glândulas mandibulares e hipofaríngeas produzirem mais alimento para as larvas.
Quanto ao armazenamento de alimentos, o processo é muito rápido e fascinante, claro. As obreiras recebem e armazenam o néctar e armazenam o néctar, recolhido no exterior da colmeia por outras abelhas da mesma casta. “O néctar é transferido para estas obreiras através do aparelho bucal das abelhas que o recolhem, demorando esta troca apenas alguns segundos e sendo distribuído por duas ou três obreiras recetoras.” Depois de uma operação que envolve um truque com a língua, para evaporar a água, o néctar parcialmente evaporado é depositado dentro de um alvéolo. As obreiras também são responsáveis pelo processamento e armazenamento do pólen trazido por outras da sua casta. Desta vez não há transferência direta, o pólen é colocado nos alvéolos pelas obreiras que o recolheram, sendo que outras, numa segunda fase, humedecem as bolas de pólen com regurgitações de mel e saliva. Observa-se também, ocasionalmente, o cuidado de o pólen ser coberto por uma fina camada de mel, permitindo assim a sua preservação durante meses.
Sim, há mais, mas vamos encurtar esta história
As abelhas obreiras fazem ainda voos de orientação para obterem referências e saberem onde é o ninho antes de saírem para a recolha de substâncias ou certos alimentos. O principal mecanismo de orientação é a posição do sol (sim, vão afinando ao longo do dia e quando não há sol têm outras referências). Esses voos acontecem antes de investirem na recolha de néctar, pólen, água e própolis. “A distância de voo acumulada é mesmo o factor mais determinante para o tempo de vida da obreira, que acaba por morrer ao fim de cerca de 800 km de voo”, conta a FNAP. Na fase final da sua vida transformam-se em aviões de carga.
É verdade que ficamos com a ideia de que as nossas amigas são workaholic, não é?, mas há vários estudos e teorias que dizem que as abelhas obreiras passam uma grande parte do tempo sem fazer nada ou que têm largos períodos de inatividade. Lá está, há algumas explicações: ou estão à espera das secreções das glândulas, um metabolismo que lhes permite terem descanso, ou os aparentes voos sem sentido podem tratar-se de voos de reconhecimento, já que elas têm de avaliar as carências da colmeia.
Nós, como gostamos tanto delas na Quinta das Tílias, vamos acreditar que as nossas amigas abelhas obreiras podem estar a desfrutar da curta vida que têm, olhando à volta, conhecendo outros cheiros e paisagens.